quarta-feira, agosto 24, 2016

Era a hora que dividia a tarde em duas quando me deparei a notícia que 120 pessoas haviam morrido devido a um terremoto na Itália. Naquele momento parei pra pensar a dimensão dos tremores da terra na nossa estrutura física da vida.

Se a vida física se desmorona quando as placas se encontram, o que geram nossos tremores internos? Quais colisões dão a origem a essa imensidão de mortos dentro de mim?

Tinha me esquecido o quanto impacta quando me colido em algo, a bagunça que resta dentro, a contagem dos sonhos frustrados, as desesperanças.

Tremi, pra me sentir vivo.

Viver é colidir-se.

segunda-feira, agosto 22, 2016

21 de Agosto

Desculpa.

Não há outra forma de começar. Não sei a melhor forma, mas eu tenho que começar. Eu não sei direito nem por onde. Eu nunca imaginei que a noite seria como foi.
Uma mão me abraçando, o susto, nós correndo. O desenho que não assistimos, os beijos que não terminamos, as cicatrizes que marcavam seu corpo. Aquela sensação que a muito eu não sentia.
O dia todo me vinha à mente: você, a sua forma desposta na cama, o desenho do seu corpo no lençol, seu cheiro. Logo depois o interesse, Carrie & Lowel, sorvete e pipoca, o convite para um filme.

Silêncio.
Foi o que restou.

A frustração do não dito não me deixa dormir. A incapacidade de decidir o que dizer, como dizer, me trás uma inquietação descontrolada, tremo o corpo todo, incessantemente.
Eu queria poder te explicar algo mais romântico, metaforizar Romeu e Julieta. Você, Montecchio. A censura do diálogo me corta alma. Sinto quase como se entendesse como dois jovens são dispostos a largar o mundo por uma eternidade juntos.

Talvez.

Talvez nada, talvez um fim como qualquer outro, de exercer o feio habito de marcar um dia para marcar um dia e ficar sempre sem realmente definir o que estaria por vir. Apesar de tentar não irei conseguir dizer.


Desculpa.

sábado, março 12, 2016

A referência ainda era a mesma, a rua ainda se chamava Argentina, a numeração não fora alterada, permaneço com o numero 71. Da fachada da casa, pouca coisa mudara desde a última vez que nos vimos, talvez algumas plantas. Na sala as cadeiras chinesas continuam dispostas diante da antiga mesa de centro, as pilastras um tanto mais próximas, como se com a idade não aguentasse mais o peso que aguentaram antes. O quadro que assombrava o corredor e a todos que por ele passavam fora substituído por um espelho, será uma metáfora de mamãe trocando a indagação “Haverá um futuro?” pelo reflexo da realidade? Acredito que não, mas a verdade também eu nunca saberei.

O meu antigo quarto, que de antigo restou apenas as paredes e a bagagem que o armário conseguiu aguentar. A cama estava para dois, onde sempre foi só pra mim. Não há mais espelhos. O velho criado continuava a seu posto, sempre a direita da cama, mas agora de uma cama que não era minha, ou talvez fosse pra ser, mas acho que não me acostumarei com tanto espaço. No armário, um envelope escrito “Para o menino que diz que eu sou cego, mas eu não sou.” Quanta carga dramática uma antiga carta pode causar em alguém sem derrubá-la? Bem, taí o que senti, senti aquela saudade irremediável, aquela saudades impotente, aquela saudades que se iguala a sensação de você gritar no silêncio e ter a certeza que todos ali te escutam, mas que ninguém irá te responder. Será essa outra metáfora de mamãe pra ver se eu já superei a única relação amorosa que a vida me ofereceu? Eu também nunca saberei.

O quarto de mamãe ainda é o melhor quarto a se habitar, as roupas sempre na mesma bagunça organizada, o armário com as portas sempre fechadas e a cama sempre arrumada para dormir, cinzeiros a postos, isqueiros dispostos e os pitos espalhados por todo o cômodo. De hora em hora um gato da o ar da graça, emite um barulho só dele, rodopia pelo pé da cama e desce, outrora eles dormem e nos impede de mexer, mas quem se importa, a presença deles é sempre melhor que o maior dos movimentos. Acredito que embora a estrutura do resto da casa esteja sendo erguida nos nomes das pessoas mais íntimas da minha vida, o quarto de mamãe está erguido de ideais, erguido de tantos sonhos que tivemos juntos, de tantas discussões que fizemos mesmo que o sentido real era só discutir, tanta brincadeira boba com palavras que pode erguer até alguns castelos, mas a luminária? A luminária é feita apenas com palavras dela que sei que dia, menos dia irá me guiar por aí, como uma fada, como uma deusa, como um anjo, ou dentro de mim, como amor.

A mentira da vida que eu tive com ele

                A decisão de estar junto quando de perto, de perto quando se só. Outros meios poderiam ser decisivos, mas o estar junto era de ser o desejo. Os pelos que lhe permeiam o rosto, os brancos dentes quando se encontra a felicidade, a divisão dos cabelos que lhe vestiam a mente.
                As horas gastas foram de tudo enriquecedoras, as palavras de afeto algumas vezes não retribuídas eram o simples e complexo que se cerca um grande sentimento representado por apenas quatro letras onde o sentir se fazia sempre tão grande: Medo.
                Dias e dias a fio, lado a lado no mesmo barco, balançando no sacolejar da maré que é quando se tem alguém. A verdadeira intenção dos fatos era nunca ter fim, mas o fim, esse sim, torna toda história o romance não realizado, torna ambos como individuo um único ser, que agora se vê ao longe.
                O que sobrou? Apenas aquela sensação de que talvez não tenha aproveitado o tempo necessário, ficaram também aquelas palavras que uma vez ouvida nunca foram retribuídas e no longe do vento sempre voltam, adentra minha mente e domina o que não tivemos. As saudades, essas sim, talvez não passem.

                Mentiras. Ou talvez a única verdade, disfarçada de um romance de uma pessoa só.

Eu, nº 17 da Laranjeiras

                Onde há um padrão, o que destoa gera estranheza. Diferente das demais, o tráfego em mim é mais frequente que nas outras casas, onde os moradores nasceram e se criaram ao meu redor, eu sempre sou a escolha das pessoas transitórias. A minha relação humana mais duradoura teve o breve período de um ano, onde as marcas de crescimento das crianças nem sequer foram feitas, onde a decoração recém-adquirida mal foi aplicada e nem sequer no decorrer destes dias se sabia o caminho quando ainda estava escuro.
                É estranho saber que em todas as casas iguais, as pessoas se fixaram, mas devido a minha estranheza, meus hóspedes sempre partem. Por um lado, invejo meus vizinhos, pelo padrão definido de criação, onde o jardim é sempre na frente e nos fundos sempre há piscina. Apesar do meu segundo andar, as pessoas que me visitam acabam optando por um outro lugar, nunca fui a primeira opção, mas carrego comigo o consolo de que em mim houve mais felicidade que tristeza e que apesar do pouco tempo a lembrança das pessoas em sua maioria são prazerosas.

                Ainda não pude receber novamente quem um dia me habitou, acredito que a pessoa que voltar pode vir a me ganhar e por aqui permanecer, embora este sonho esteja sempre guardado, pois ao andar pelas laranjeiras, onde todos se conhecem desde menino eu sempre fui a moradia dos novos vizinhos, sempre fui palco da descoberta, do choque dos novos hábitos, da rebeldia dos jovens despojados, do frenético movimento de carro dos empresários. Talvez um dia surja alguém, que assim como minha arquitetura, destoe de todos os outros e só assim, terá de mim a relação que o padrão nunca lhe ofereceu.