A
referência ainda era a mesma, a rua ainda se chamava Argentina, a numeração não
fora alterada, permaneço com o numero 71. Da fachada da casa, pouca coisa
mudara desde a última vez que nos vimos, talvez algumas plantas. Na sala as
cadeiras chinesas continuam dispostas diante da antiga mesa de centro, as
pilastras um tanto mais próximas, como se com a idade não aguentasse mais o
peso que aguentaram antes. O quadro que assombrava o corredor e a todos que por
ele passavam fora substituído por um espelho, será uma metáfora de mamãe
trocando a indagação “Haverá um futuro?” pelo reflexo da realidade? Acredito
que não, mas a verdade também eu nunca saberei.
O
meu antigo quarto, que de antigo restou apenas as paredes e a bagagem que o
armário conseguiu aguentar. A cama estava para dois, onde sempre foi só pra
mim. Não há mais espelhos. O velho criado continuava a seu posto, sempre a
direita da cama, mas agora de uma cama que não era minha, ou talvez fosse pra
ser, mas acho que não me acostumarei com tanto espaço. No armário, um envelope
escrito “Para o menino que diz que eu sou cego, mas eu não sou.” Quanta carga
dramática uma antiga carta pode causar em alguém sem derrubá-la? Bem, taí o que
senti, senti aquela saudade irremediável, aquela saudades impotente, aquela
saudades que se iguala a sensação de você gritar no silêncio e ter a certeza
que todos ali te escutam, mas que ninguém irá te responder. Será essa outra
metáfora de mamãe pra ver se eu já superei a única relação amorosa que a vida
me ofereceu? Eu também nunca saberei.
O
quarto de mamãe ainda é o melhor quarto a se habitar, as roupas sempre na mesma
bagunça organizada, o armário com as portas sempre fechadas e a cama sempre
arrumada para dormir, cinzeiros a postos, isqueiros dispostos e os pitos
espalhados por todo o cômodo. De hora em hora um gato da o ar da graça, emite
um barulho só dele, rodopia pelo pé da cama e desce, outrora eles dormem e nos
impede de mexer, mas quem se importa, a presença deles é sempre melhor que o
maior dos movimentos. Acredito que embora a estrutura do resto da casa esteja
sendo erguida nos nomes das pessoas mais íntimas da minha vida, o quarto de
mamãe está erguido de ideais, erguido de tantos sonhos que tivemos juntos, de
tantas discussões que fizemos mesmo que o sentido real era só discutir, tanta
brincadeira boba com palavras que pode erguer até alguns castelos, mas a
luminária? A luminária é feita apenas com palavras dela que sei que dia, menos
dia irá me guiar por aí, como uma fada, como uma deusa, como um anjo, ou dentro
de mim, como amor.